segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

LEMBRANÇAS...


LEMBRANÇAS...
Jaqueline Marli da Costa
 Ainda tenho em minhas lembranças muitas coisas que vivi e o tempo não conseguiu apagar...
Tenho saudades do tempo em que a terra era majestosa, sagrada, imponente, bem cuidada, pois era dela que tirávamos o nosso sustento.
Sou daquele tempo em que não havia máquinas e tudo o que fazíamos era no braço, com a enxada, a foice, o ancinho... Do tempo em que antes de  plantar as sementes era possível prever as chuvas, só de olhar o céu, fazendo a previsão do tempo certo da colheita, só de olhar para a lua e ver em que fase estava. Tempo em que eu ía furando as covas, o outro ia colocando as sementes e arredando a terra com o pé, tampando os buracos, na espera que caísse uma chuva boa e mansa para o sucesso da colheita. Tempo em que colhia com as próprias mãos, os grãos, e levava-os para a cidade em sacos de moá, tocando a boiada e escutando o ranger das rodas do carro de boi estrada afora. Levava dias, mas voltava com boas trocas, sementes novas, tecidos de chita para a mulher fazer vestidos novos para a festa de São João, que ía ter na casa do compadre.
        Ainda me lembro do tempo em que as colchas eram provenientes da trabalheira da mulher, que cardava e fiava o algodão, na roda de fiar, colocava os fios na dobradeira, enrolava os novelos e os levava para Dona Maria no tear, tecer os fios da colcha.
         Tempo em que a fornalha era a garantia da comida saborosa e quentinha na mesa de madeira que eu mesmo fiz. Ainda guardo na boca o gosto daquele bolo de fubá assado na brasa. Ê que delícia que era,  passar manteiga de leite  feita em casa, no pedaço de bolo quentinho! Carne, não faltava, tinha fartura, pois criávamos galinhas, porco, vaca. Ovos, tinha sempre, as dúzias, para dar e vender. Lenha, saíamos pra buscar os feixes, eu, a mulher e as crianças. Peixe saía pra pescaria com os “compadres,” lá pras bandas do Rio Lambari. Tempo em que pra estudar tinha que caminhar horas e horas, pra chegar à escolinha, com o embornal a tira colo, com a merenda dentro: um dia era um punhado de farinha torrada com açúcar, outro dia era farofa de ovo ou bolo de fubá. Repartia com os colegas e éramos felizes, na companhia da professorinha Maria, que me ensinou o B  A, BÀ e escrever o meu próprio nome, fazer cartas  e contas muito bem.
A roda de amigos era rotina do final das tardes. Cada dia na casa de um compadre. Era uma cachacinha da pura, da boa, que descia na goela e dava um estalar nos dedos. Êta coisa boa, sô!
         Era convidado para um forró animado no terreiro. A fogueira esquentava a gente do frio.  Cada semana na casa de um amigo. Tinha reza do terço, leilão gritado, muita quitanda gostosa na folha da bananeira, que cobria a mesa de madeira.
        A água era tirada da bica e colocada na talha fria e tampada com um prato de esmalte. Água pura, limpinha, gostosa.
         O “Tirijum” (Dejejum) era o fubá afogado com ovo frito e torresmo, cebolinha e salsinha, mingau de fubá com fatias de queijo no fundo do prato, biscoito frito, paçoca de torresmo feito no pilão, bolo de milho assado no forno a brasas. Tirava o leite de manhãzinha e tomava ali mesmo no curral na caneca , espumando até quase derramar. Fazia café preto adoçado com rapadura.
        As casas  feitas de adoube, eram cobertas com telha cumbuca e tinham janelas de pau, com banquinho de madeira na porta da sala pra gente se sentar e contar uns causos até dar a hora de dormir. Os filhos pediam bênçãos, para ir dormir...Que saudade!
        E hoje...
        Hoje fico da janela de pau da antiga casa de telha cumbuca feita de adoube, que eu mesmo fiz, e que ainda faço questão de conservar, só olhando o horizonte, lá onde já foi uma boa roça e fico pensando: quanta diferença! Onde era o curral, hoje tem casas modernas  que meus filhos construíram para morar com suas esposas e meus netos. Onde havia roça plantada com minhas próprias mãos calejadas, no cabo da enxada, hoje tem máquinas arando, plantando, colhendo, selecionando os grãos, ensacando e levando para a cidade naqueles caminhões baús. Tem até máquinas que tiram o leite das vacas e empacota para levar direto para o supermercado!
        Mas a modernidade não me incomoda não. A minha fornalha eu ainda tenho. O velho banquinho também, onde costumo me sentar e contar histórias para meus netinhos. E como eles gostam ! “-Conta mais vô!” Em minha talha ainda conservo água fresquinha para beber, pois a bica não secou, porque eu cuidei de plantar muitas árvores ao seu redor para que se conservasse. Ainda guardo meu pilão no cantinho da fornalha, junto com a vara de pescar e a velha enxada. Ainda gosto de fazer o meu “tirijum”, beber o meu cafezinho preto adoçado com rapadura e o meu antigo carro de boi está guardado debaixo da figueira.
        Tudo mudou e se modernizou, mas na minha casa eu ainda sou daquele tempo...
        ( Texto escrito em homenagem ao meu avô Vicente Antônio da Costa e ao trabalhador rural- 25/05/2008)







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