LEMBRANÇAS...
Jaqueline Marli da Costa
Jaqueline Marli da Costa
Ainda tenho em minhas lembranças
muitas coisas que vivi e o tempo não conseguiu apagar...
Tenho saudades do tempo em que a
terra era majestosa, sagrada, imponente, bem cuidada, pois era dela que
tirávamos o nosso sustento.
Sou daquele tempo em que não
havia máquinas e tudo o que fazíamos era no braço, com a enxada, a foice, o
ancinho... Do tempo em que antes de
plantar as sementes era possível prever as chuvas, só de olhar o céu,
fazendo a previsão do tempo certo da colheita, só de olhar para a lua e ver em
que fase estava. Tempo em que eu ía furando as covas, o outro ia colocando as
sementes e arredando a terra com o pé, tampando os buracos, na espera que
caísse uma chuva boa e mansa para o sucesso da colheita. Tempo em que colhia
com as próprias mãos, os grãos, e levava-os para a cidade em sacos de moá,
tocando a boiada e escutando o ranger das rodas do carro de boi estrada afora.
Levava dias, mas voltava com boas trocas, sementes novas, tecidos de chita para
a mulher fazer vestidos novos para a festa de São João, que ía ter na casa do compadre.
Ainda me lembro do tempo em que as
colchas eram provenientes da trabalheira da mulher, que cardava e fiava o
algodão, na roda de fiar, colocava os fios na dobradeira, enrolava os novelos e
os levava para Dona Maria no tear, tecer os fios da colcha.
Tempo em que a fornalha era a garantia
da comida saborosa e quentinha na mesa de madeira que eu mesmo fiz. Ainda
guardo na boca o gosto daquele bolo de fubá assado na brasa. Ê que delícia que
era, passar manteiga de leite feita em casa, no pedaço de bolo quentinho!
Carne, não faltava, tinha fartura, pois criávamos galinhas, porco, vaca. Ovos,
tinha sempre, as dúzias, para dar e vender. Lenha, saíamos pra buscar os
feixes, eu, a mulher e as crianças. Peixe saía pra pescaria com os “compadres,”
lá pras bandas do Rio Lambari. Tempo em que pra estudar tinha que caminhar
horas e horas, pra chegar à escolinha, com o embornal a tira colo, com a
merenda dentro: um dia era um punhado de farinha torrada com açúcar, outro dia
era farofa de ovo ou bolo de fubá. Repartia com os colegas e éramos felizes, na
companhia da professorinha Maria, que me ensinou o B A, BÀ e escrever o meu próprio nome, fazer
cartas e contas muito bem.
A roda de amigos era rotina do
final das tardes. Cada dia na casa de um compadre. Era uma cachacinha da pura,
da boa, que descia na goela e dava um estalar nos dedos. Êta coisa boa, sô!
Era convidado para um forró animado no
terreiro. A fogueira esquentava a gente do frio. Cada semana na casa de um amigo. Tinha reza
do terço, leilão gritado, muita quitanda gostosa na folha da bananeira, que
cobria a mesa de madeira.
A água era tirada da bica e colocada na
talha fria e tampada com um prato de esmalte. Água pura, limpinha, gostosa.
O “Tirijum” (Dejejum) era o fubá
afogado com ovo frito e torresmo, cebolinha e salsinha, mingau de fubá com
fatias de queijo no fundo do prato, biscoito frito, paçoca de torresmo feito no
pilão, bolo de milho assado no forno a brasas. Tirava o leite de manhãzinha e
tomava ali mesmo no curral na caneca , espumando até quase derramar. Fazia café
preto adoçado com rapadura.
As casas feitas de adoube, eram cobertas com telha
cumbuca e tinham janelas de pau, com banquinho de madeira na porta da sala pra
gente se sentar e contar uns causos até dar a hora de dormir. Os filhos pediam
bênçãos, para ir dormir...Que saudade!
E hoje...
Hoje fico da janela de pau da antiga
casa de telha cumbuca feita de adoube, que eu mesmo fiz, e que ainda faço
questão de conservar, só olhando o horizonte, lá onde já foi uma boa roça e
fico pensando: quanta diferença! Onde era o curral, hoje tem casas
modernas que meus filhos construíram
para morar com suas esposas e meus netos. Onde havia roça plantada com minhas
próprias mãos calejadas, no cabo da enxada, hoje tem máquinas arando,
plantando, colhendo, selecionando os grãos, ensacando e levando para a cidade
naqueles caminhões baús. Tem até máquinas que tiram o leite das vacas e
empacota para levar direto para o supermercado!
Mas a modernidade não me incomoda não.
A minha fornalha eu ainda tenho. O velho banquinho também, onde costumo me
sentar e contar histórias para meus netinhos. E como eles gostam ! “-Conta mais
vô!” Em minha talha ainda conservo água fresquinha para beber, pois a bica não
secou, porque eu cuidei de plantar muitas árvores ao seu redor para que se
conservasse. Ainda guardo meu pilão no cantinho da fornalha, junto com a vara
de pescar e a velha enxada. Ainda gosto de fazer o meu “tirijum”, beber o meu
cafezinho preto adoçado com rapadura e o meu antigo carro de boi está guardado
debaixo da figueira.
Tudo mudou e se modernizou, mas na
minha casa eu ainda sou daquele tempo...
( Texto escrito em homenagem ao meu avô
Vicente Antônio da Costa e ao trabalhador rural- 25/05/2008)
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